Um dia
Parou diante do espelho no quarto, e observou o seu reflexo longamente. Cada ruga, cada expressão do rosto alterada pelo passar do tempo e os inúmeros fios brancos espalhados pelo cabelo. Sem pensar bem, num movimento inconsciente pousou a mão no ventre. Num ventre que não gerou vida, nem se alterou com novidade, um corpo que não se modificou ao criar um outro corpo; um deserto sem vida com a miragem de alguém que nunca veio. Reprimiu as lágrimas que queriam sair e molhar as faces cansadas e tristes , na mente passava imagens de uma vida que nunca existiu. Recordava frases feitas pelas pessoas amigas e familiares a dizerem: "Um dia vais conhecer alguém e ter a tua família". Um dia... Ali diante do espelho, amaldiçoou ter acreditado como uma menina ingênua nas palavras ocas e mentirosas que se dizem enquanto se sorri com descontração, como se tudo fosse fácil. Numa crença sem explicação, acreditou que um dia ia encontrar a felicidade, como uma criança que acredita na magia do natal. Devia ter pensado mais nela própria, saido mais e conhecido pessoas fora do seu meio, talvez noutros lugares estivesse o amor que precisava. Nunca fez o que realmente queria muitas vezes por causa dos outros. Os outros que tinham realizado sonhos e tinham a sua própria família. Naquele momento psicologicamente frágil, não tinha ninguém para abraça-la nem dizer palavras reconfortantes; nem tinha a quem ligar para sentir um apoio à distância. Sentiu pequenos encontrões nas suas pernas e ao olhar para baixo, viu os seus dois gatos, grandes companheiros de uma vida e estiveram sempre lá para ela, enquando as pessoas só se lembravam dela quando precisavam. Agarrou um de cada vez, e ao abraça-los recebeu o abraço e o carinho que precisava naquele momento.