Numa corrida sem meta, os pensamentos atropelam se entre si, dada a grande velocidade em que aparecem e desaparecem como se fosse uma corrida ilegal ou uma tentativa de fuga à polícia. A mente é apenas uma estrada, aonde desfilam pensamentos diversos consoante o momento e o estado de espírito. Quase que se pode catagolar os diversos pensamentos em categorias, em níveis de positividade ou negatividade. Após tantas corridas diárias, a mente é um circuito muito desgastado a precisar de manutenção para tratar de inúmeros buracos, marcas no piso e limpar óleo derramado na via. Enquanto a mente descansa um pouco do turbilhão de pensamentos, é invadida por imagens difusas sem nexo, são apenas sonhos alguns diferentes outros confusos. Após uma noite tranquila (ou não), a mente desperta para mais um dia de corrida.   

Parou diante do espelho no quarto, e observou o seu reflexo longamente. Cada ruga, cada expressão do rosto alterada pelo passar do tempo e os inúmeros fios brancos espalhados pelo cabelo. Sem pensar bem, num movimento inconsciente pousou a mão no ventre. Num ventre que não gerou vida, nem se alterou com novidade, um corpo que não se modificou ao criar um outro corpo; um deserto sem vida com a miragem de alguém que nunca veio. Reprimiu as lágrimas que queriam sair e molhar as faces cansadas e tristes , na mente passava imagens de uma vida que nunca existiu. Recordava frases feitas pelas pessoas amigas e familiares a dizerem: "Um dia vais conhecer alguém e ter a tua família". Um dia... Ali diante do espelho, amaldiçoou ter acreditado como uma menina ingênua nas palavras ocas e mentirosas que se dizem enquanto se sorri com descontração, como se tudo fosse fácil. Numa crença sem explicação, acreditou que um dia ia encontrar a felicidade, como uma criança que acredita na magia do natal. Devia ter pensado mais nela própria, saido mais e conhecido pessoas fora do seu meio, talvez noutros lugares estivesse o amor que precisava. Nunca fez o que realmente queria muitas vezes por causa dos outros. Os outros que tinham realizado sonhos e tinham a sua própria família. Naquele momento psicologicamente frágil, não tinha ninguém para abraça-la nem dizer palavras reconfortantes; nem tinha a quem ligar para sentir um apoio à distância. Sentiu pequenos encontrões nas suas pernas e ao olhar para baixo, viu os seus dois gatos, grandes companheiros de uma vida e estiveram sempre lá para ela, enquando as pessoas só se lembravam dela quando precisavam. Agarrou um de cada vez, e ao abraça-los recebeu o abraço e o carinho que precisava naquele momento. 

Será que te amei, ou amei a ideia de amar? Será que amei quem tu eras, ou quem eu queria que fosses? E tu, chegaste a amar me ou gostaste de sentir te amado?

Com dedicação e ternura, cuidei deste amor inventado pela minha mente e desejosa de sentir borboletas no estômago e suspirar pelo ar. Sentir os pés a fugir do chão e levitar até as estrelas, sonhar acordada e sorrir sem motivo. Ser tocada na alma com um simples olhar de carinho e ter uma razão para existir. Amei a ilusão e a fantasia de um romance igual aos contos de fadas, histórias de princesas e cavalos brancos conduzidos por cavalheiros e com um guião roubado a uma novela qualquer. Viver com a ânsia de um toque de mãos, no entrelaçar de dedos e num abraço apertado para sentir a ligação forte e real ao ouvir os corações a bater em sintonia. Amei a perspectiva de amar alguém, de me dar a alguém e me perder nas teias do amor e nas loucuras que cometemos por ele. Andei tanto que me perdi em fios emaranhados e teias pegajosas, num jogo sem regras nem indicações do caminho a seguir. Amei o sentimento de amor mas talvez tenha amado sozinha, um amor que me abraçava nas noites frias e silenciosas, e me dava forças quando eu sentia o abismo à minha frente, era apenas um amor solitário como eu mas era o meu amor. Enquanto as pessoas enchiam os meus ouvidos com frases que o tempo cura tudo e o amor iria encontrar-me de novo, eu fechava o meu coração a sete chaves. Com lágrimas nos olhos e o coração cheio de fita cola, cortei o fio da ligação que alimentava este amor inventado.    

Como uma rocha pesada, fria e forte que aguentava o bater forte das ondas revoltadas do mar bravo, assim era a Pilar. Um porto de abrigo para amigos e família, sempre lá para os outros como uma âncora que não deixava afundar ninguém. Enfrentava cada embate sem cair, com uma coragem inspiradora e uma segurança avassaladora. Nunca dizia não nem desistia, nem deixava ninguém para trás. 

Com o tempo a estrutura da rocha criou fendas e pequenos buracos, o estado foi deteriorando sem fiscalização nem avisos de perigo de desabamento. Sem manutenção nem cuidados, e após tantos empurrões de vários lados a Pilar cedeu e desabou. Quando alguém percebeu o que tinha acontecido à Pilar era tarde demais.

Não atirei a toalha ao chão, simplesmente deixei-a pendurada a secar, assim não pesa tanto. Não fugi da batalha, simplesmente tirei uma pausa para respirar e recarregar energias. Não desisti, simplesmente aceitei o que posso ou não mudar. Não perdi a voz ou calei- me de vez, simplesmente quero ouvir o que o mundo tem para me dizer. Não baixei os braços, só estou a deixar que me abraçam. Não deixo o campo de batalha, só mudo o lugar. Não sou desistente, só estou a aprender a lição. Tudo é uma luta na vida, no dia-a-dia e na realidade da vida, mas a luta mais desafiante e desgastante, é aquela aonde ocorre interiormente no fundo da alma e na nossa mente. É uma batalha longa e cansativa, com avanços e recuos, com estratégias e complexos planos de retaliação ao inimigo. 

Guardo o teu cheiro nas memórias de um tempo passado, nos dias de esperança, na espera do instante em que tudo iria mudar para sempre. Guardo o teu calor no meu coração gelado de angústia, aguardando um significado de tudo. Guardo a ternura do teu olhar na tristeza do meu, porque nunca mais vou olhar para ti. Guardo lembranças num local remoto da minha mente, para nunca me esquecer de ti. Guardo a paisagem de lugares , em fotografias, são pequenas recordações de saudades e pena por momentos que nunca serão criados. Guardo na pele o toque da brisa suave, na ilusão do abraço dado de quem já não está cá. 

A visão turva não deixa ver os contornos de tudo o que rodeia, só se sente uma bolha estranha de uma realidade paralela. É tudo uma mentira criada num novelo de linhas, fusíveis e fios entrelaçados sem possibilidade de ficarem separados em secções. É uma maldição sem fim à vista nem perspectivas de melhorias. Uma luta constante por mais uma respiração profunda, o arranjar forças a todo o lado para lutar. Pensamentos contraditórios, inundam uma mente já refém de frases sem nexo nem sentido nenhum. E agora?

Nenhuma luz ilumina o caminho com buracos cada vez mais fundos, nem os cacos espalhados pelo chão em pedaços pequeninos têm solução. Será que não existe feitiço nenhum que anule a maldição? 

Pequenas migalhas espalhadas pelo chão, tão insignificantes e quase invisíveis ao olhar humano, permanecem estáticas e esperam ser descobertas. Ninguém entende o que as migalhas representam ou significam. As migalhas são apenas pequenas linhas do trilho a percorrer. Linhas de um mapa em constante construção, tal e qual a vida. Mensagens secretas do Universo com o objetivo de restabelecer o equilíbrio energético, tantas vezes destabilizado. Sinais escondidos em muitos locais são apenas enigmas criados pelas teias das leis cósmicas, do caminho a seguir e da decisão certa. Os sinais estão aí, nem sempre escondidos mas sempre à espera de serem lidos e interpretados. Na passagem dos dias, com a mente cheia de pensamentos e preocupações nem sempre reparamos nos sinais, e andamos perdidos num oceano imenso à procura de uma luz que nos oriente.

Entraste sem bater à porta e nem sequer foste convidado para vir. Sem pedir autorização ficaste ao pé de mim, felizmente não tive grande sintomas mas não apreciei a tua visita. És um vírus mas pareces uma celebridade armada em vedeta, tens nome próprio (designação científica) e também tens nome artístico, tens muitas variantes (que versátil) e adoras ajuntamentos. A grande verdade é que o mundo está farto de ti. Fiz tudo para não a pareceres na minha vida; usar a máscara, desinfetar as mãos e distanciamento social. Tive tanto cuidado, mas apareceste na mesma.

Estive infectada com o covid-19, e não tive sintomas foi (e é) assustador pensar em quantas pessoas infetei sem saber, assim como é assustador pensar que alguém contagiou me sem saber. Também foi assustador perceber a curiosidade das pessoas em quererem saber quem infectou, aonde , quando e como. Sei lá como foi! Foi assustador ver passar os dias e estar em isolamento, e a despensa a ficar vazia mas a ajuda surgiu. Pensei tanto naquelas pessoas que não tiveram a quem recorrer. Foi complicado a nível mental mas sobrevivi. 

Neste teatro da vida, somos apenas meras personagens passageiras. Eu gostava de saber representar, fingir o que não sinto. Gostava de sorrir mesmo não sentindo alegria nenhuma, gostava de inventar histórias mesmo que só existissem na minha cabeça, gostava de falar sobre coisas mesmo sem saber o seu real significado. Viver num mundo do faz de conta, onde a ilusão é a rainha dos dias e musa das noites. Viver mil vidas de mil personagens, ser eu sem ser eu. Ser quem eu quiser, como quiser e quando quiser. Esquecer o mundo por momentos, e criar uma realidade paralela com verdades escondidas pela passagem do tempo. Reagir consoante descrito no guião sem perguntas, viver ao sabor das expectativas e vontades alheias. E só no cair do pano, ser finalmente eu.