A noite já ia alta e as horas passavam sem parar. No silêncio Maria Estrela chorava baixinho, com a almofada em cima da cabeça para abafar qualquer soluçar mais alto, numa dor que não ia embora por mais que pedisse. Os lençóis já encharcados de lágrimas amargas que nem aliviava o peso nem a amargura. É na inexistência de palavras que tudo é dito e sentido, e ali não tinha ninguém para a ouvir. Num breve olhar pelo telemóvel, que anunciava as 4 horas da manhã e a certeza de não haver a quem ligar. Derramou lágrimas até secar e adormeceu num sono tranquilo.
No despertar de mais um dia, de mais uma página em branco de existência, abriu os olhos sensíveis à luz do sol, e deparou se com os cacos de uma noite terrível. Na mente, reviu tudo o que aconteceu, cair na cama enquanto os comprimidos de várias cores espalhavam se pelo chão. Frascos de garrafa que antes continham álcool, amontoados na mesinha da sala, anestesiaram por momentos a dor que agora voltava. Na mesa da cozinha, uma folha escrita a tinta azul e borratada continuava lá. Agarrou-a e leu, acendeu o isqueiro e ao ver as chamas a queimar a folha, pensou:"Porque raio escrevi uma carta de despedida, se ninguém iria lê-la?" Tomou um banho rápido, vestiu-se e saiu para o trabalho, aonde era apenas mais um número para a estatística. Em piloto automático desempenhou as suas funções, no fim do dia regressou a casa. No refúgio do lar, limpou os cacos da noite anterior e preparou um chá. O anoitocer era o momento preferido dela, ver a lua a espreitar pela janela e as estrelas a aparecerem uma por uma no céu enquanto bebia o chá. Reconfortava pensar que um dia quando partisse para outra dimensão, ninguém iria sentir falta dela. Refletiu na parvoíce que ia fazer, afinal morrer é cair no esquecimento e ela já estava morta há muito porque ninguém se lembrava dela.